segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"viver sob o domínio parental pode promover uma alienação de si mesmo, na medida em que o exercício do autoconhecimento sofre o ruído do “cuidado” materno"


Ao retornar à casa da minha mãe – digo apenas da minha mãe porque minha casa sempre foi ela – tenho a sensação de que saio da minha casa. Isso pode parecer óbvio num primeiro olhar, mas, com a seguinte explicação, também não estou bem certo se me farei entender.
Apesar de confiar em seu desejo materno de me ver feliz e realizado, a influência que os pais em geral exercem sobre os filhos pode causar-lhes um estrago ou um benefício significativos. Explico: viver sob o domínio parental pode promover uma alienação de si mesmo, na medida em que o exercício do autoconhecimento sofre o ruído do “cuidado” materno – no meu caso, materno. Por isso, só tive a impressão de me conhecer quando saí de casa. Observei meus defeitos numa perspectiva mais crítica e menos reativa, compreendi melhor meus anseios, e minha solidão, neste caso, foi imprescindível para que eu conseguisse me ouvir. O silêncio nos ajuda a ouvir.
Amo minha mãe, isso é posto. Mas, ao viver em outras cercanias, desentranhei um bocado de vícios que não eram meus, eram de mamãe: ser muito crítica, conhecer as pessoas profundamente em primeiro lance, ser pessimista naqueles momentos nos quais o que eu precisava era ânimo, etc. Hoje tenho meus próprios vícios, embebidos também das águas do ventre materno, mas estão acrescidos, acredito, de uma substância original. Aí me vem à cabeça, a despeito do não tão lugar-comum, a sabedoria da natureza quando a mãe-sabiá empurra para fora do ninho o pequeno que já aprendeu as próprias asas. Depois ele investigará sozinho qual é o melhor rasante, a velocidade ideal para não ficar cansado, os terrenos mais férteis, as bicadas mais certeiras, os caminhos menos perigosos e quem sabe terá até o próprio ninho?
O famigerado amor incondicional, talvez produto do instinto, não foge à relativização. Junto desse amor épico frequentemente vem o legado das frustrações – por conseguinte, os ditames das projeções –, as expectativas, a cobrança e uma série de pressupostos; por outro lado, esse sentimento também é abrigo, é afago e outro conjunto de sutilezas que só o espírito mais sofisticado propõe-se a compreender.
Voltar à casa da minha mãe, agora, só para mostrar as penas novas. Depois do café, dou-lhe um beijo de gratidão e voo para minha própria casa. Às vezes, é ela quem vem me visitar.