Ao retornar à casa da minha mãe –
digo apenas da minha mãe porque minha casa sempre foi ela – tenho a sensação de
que saio da minha casa. Isso pode parecer óbvio num primeiro olhar, mas, com a
seguinte explicação, também não estou bem certo se me farei entender.
Apesar de confiar em seu desejo
materno de me ver feliz e realizado, a influência que os pais em geral exercem
sobre os filhos pode causar-lhes um estrago ou um benefício significativos.
Explico: viver sob o domínio parental pode promover uma alienação de si mesmo,
na medida em que o exercício do autoconhecimento sofre o ruído do “cuidado”
materno – no meu caso, materno. Por isso, só tive a impressão de me conhecer
quando saí de casa. Observei meus defeitos numa perspectiva mais crítica e menos
reativa, compreendi melhor meus anseios, e minha solidão, neste caso, foi
imprescindível para que eu conseguisse me ouvir. O silêncio nos ajuda a ouvir.
Amo minha mãe, isso é posto.
Mas, ao viver em outras cercanias, desentranhei um bocado de vícios que não
eram meus, eram de mamãe: ser muito crítica, conhecer as pessoas profundamente
em primeiro lance, ser pessimista naqueles momentos nos quais o que eu
precisava era ânimo, etc. Hoje tenho meus próprios vícios, embebidos também das
águas do ventre materno, mas estão acrescidos, acredito, de uma substância original.
Aí me vem à cabeça, a despeito do não tão lugar-comum, a sabedoria da natureza
quando a mãe-sabiá empurra para fora do ninho o pequeno que já aprendeu as
próprias asas. Depois ele investigará sozinho qual é o melhor rasante, a
velocidade ideal para não ficar cansado, os terrenos mais férteis, as bicadas
mais certeiras, os caminhos menos perigosos e quem sabe terá até o próprio
ninho?
O famigerado amor incondicional,
talvez produto do instinto, não foge à relativização. Junto desse amor épico
frequentemente vem o legado das frustrações – por conseguinte, os ditames das
projeções –, as expectativas, a cobrança e uma série de pressupostos; por outro
lado, esse sentimento também é abrigo, é afago e outro conjunto de sutilezas
que só o espírito mais sofisticado propõe-se a compreender.
Voltar à casa da minha mãe, agora, só
para mostrar as penas novas. Depois do café, dou-lhe um beijo de gratidão e voo
para minha própria casa. Às vezes, é ela quem vem me visitar.
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