quarta-feira, 25 de julho de 2012

Românticos


     Tinha acabado de deletar as fotos do computador. Agora além dos porta-retratos que temos de substituir por vasos de planta e das gavetas que temos de esvaziar, temos – será que temos? – de apagar as mensagens do celular, das redes sociais, do correio eletrônico, etc. Isso tudo para uma finalidade: passar uma borracha na lembrança. Se já é inevitável lidar com a imagem impregnada na memória, com o perfume que assombra de vez em quando, com a música que toca naquele momento inoportuno, por que não evitar os outros fantasmas? Algumas pessoas ainda precisam de espetáculos ritualísticos: incinerar todos os pertences do falecido(a)!
    Depois desse processo doloroso de expurgação, começa a travessia peregrinatória do indivíduo em busca de outro indivíduo. Ele vai dizer: “não estou preparado para outro relacionamento”, “é muito difícil arranjar alguém que queira alguma coisa séria”, “as pessoas estão muito superficiais”, e por aí vai. Mas lá naquele pensamento profundo, quase inadmissível, o novo solteiro acostumado a relações “estáveis” alimenta esperanças para o futuro. Os dias passam, passam os meses, e após muitas decepções e situações inusitadas, às vezes regadas por muito teor alcoólico, eis que acontece o tal do “encontro” promovido pelo Cosmos. Vem, então, a frase – só que agora imbuída de certa reflexão – “quando a gente está esperando, nunca acontece”.  
       Fechamos o ciclo. Pesquisa astrológica só por curiosidade. Compramos bombons.

quinta-feira, 12 de julho de 2012


Eu me dobro sobre as fotos, como quem se dobra sobre si mesmo para laçar o que era aquilo, o que era por trás da imagem aquele dia das férias, aquela foto no avião, aquele jantar de aniversário. E com o tempo, o esforço fica maior e inútil: se já morreu, se já casou, se já encontrou uma terra firme. Queremos terra para tirar os sapatos. Precisamos alinhar feito navio que aporta em algum destino. Mas sempre se navega para desencontrar, porque o porto é concreto, é areia e pedra, enquanto o homem é oceano de água, sal e detritos. Então raspamos nossos cascos, cravamos as unhas em qualquer solo que se nos apresente, porque o que se deseja quase sempre é abafar o outro dentro de si, fagocitá-lo para defender o próprio organismo e preencher o vazio que não se cala. Assim, a doença mostra sintomas, vai se intumescendo, o outro cresce, incomoda, dói. Por fim, temos que expelir ou ser expelidos,  incompatibilidade de sangues, metástase. A foto se torna rasa, sem perspectiva, os aniversários que passamos juntos são aniversários de um tempo estéril, apenas porque ainda há instinto de sobrevivência na minha alteridade. Ainda há dobras. Meu abdome se contrai. Ou essas experiências vão te roubar a saúde ou vão te fortalecer o organismo, penso. Por isso ando seco, para virar adubo. 



domingo, 8 de julho de 2012

"Ninguém está livre dos modismos"

Ninguém está livre dos modismos. Acredito que nada na vida deve ser oito ou oitenta. É que o radicalismo cheira à ignorância, ignorância rima com intolerância e assim por diante. Mesmo que em alguns momentos falte paciência, às vezes precisamos de leveza, de não levar muito a sério os modismos falsificantes. No entanto, o que mais me incomoda é quando tentam nos empurrar garganta abaixo uma centena de produtos, gostos e comportamentos padronizados que ontem sequer existiam, mas que hoje DEVEM ser uma febre. E as principais presas desse produto, que de certa maneira é o passaporte para a inserção, são os jovens. Depois, será uma vida para “descolar”, “desentranhar”, todas essas camadas de modismo sobre nossas cabeças, o que me lembra – com licença poética - daquelas bonecas russas : no fim, apenas um serzinho minúsculo e medíocre.
É que ontem caí acidentalmente, o que já é uma redundância, em um bar lotado onde seria exibida uma luta do UFC. Antes de começar a partida, quer dizer, a luta, os amigos me introduziram a querela que existia entre os dois lutadores: Anderson Silva iria vingar os brasileiros pela ofensa proferida à pátria pelo falastrão americano Sonnen. Isso tudo em Las Vegas. Até certo ponto foi interessante experimentar aquele clima de Coliseu nas terras dos marqueteiros mais talentosos, mas foi só. É porque me senti alienado, que mundo é esse que você vive? Meus amigos perguntavam. Eu não sabia o nome dos lutadores e foi a primeira vez que vi a imagem de Anderson – apesar de seu nome ter conseguido transpor os meus filtros antimodismo. Ao final, uma mala foi aberta (e incrivelmente não saltaram todos os males do mundo!). Sertanejo universitário era o nome daquele gênero.
Já cansado de tantos socos e pontapés, mas com a alma lavada e convencido de que devo começar a treinar jiu-jitsu na semana que vem – porque amanhã tem FLA X FLU – chego em casa e vou vasculhar os posts na minha página inicial do facebook: “Gretchen deixa A Fazenda”. Ri...
O riso descontrai.

quinta-feira, 5 de julho de 2012


Conversa pela metade

Enfia!
Isso mesmo, vai!
Com vontade.
Mete de uma vez. Até o fim.
Sou vadia mesmo.
De costas,
Acaba comigo.
Isso, isso. Pera,
Tá doendo!
Devagar é pior,
Tira, tira!
Não dá.
Não dá. Tenta com isso.
É só mirar direito.
Pega a almofada pra não fazer barulho.
Põe na boca então.
Isso.
Olha para mim.
Olha!
Me avisa antes.
Já fez isso com alguém?
(...)
Deixa! Não adianta. Não adianta.
Tá demorando demais.
Tô pingando!
Não, pára, pára.
Eu to morrendo. Pára. Que merda!
Eu não posso mais. Porra, não entende?
Me dá um cigarro ali.
Pára de falar.
Deixa eu fumar meu cigarro quieto.
To pensando.
Fala baixo! Os vizinhos...
Vira esse troço pra lá.
Não, não, dispara!
Não dispara,
não dispara. Droga.