sábado, 22 de dezembro de 2012

Metade de mim é amor



A maravilha de um relacionamento é perceber o esforço do outro para te entender. É claro que um mais um são dois, mas a tentativa de se tornar um é o que torna o amor esse sentimento sublime com o anseio de trajetória épica. Ah, mas os corações endurecidos com tanto tropeço dirão que não existe o amor complementar, o amor deve ser suplemento, um adorno para tornar nossos dias mais belos. Concordo, em algum aspecto.
Quem já viveu um relacionamento duradouro sabe que o outro, inevitavelmente, acaba se infiltrando em nossos meandros como se fosse substância de nossa substância, alterando o fluxo das veias, o batimento cardíaco e até o nosso controle emocional. O outro já faz parte de mim! A despeito de tanta roupagem romântica que os céticos querem despir rebaixando o amor a essa coisa alheia e menor, sinto eu que o amor está sacramentado, é estar preso por vontade, por isso te amo como um bicho, por que o que pode as criaturas senão amar?
Sim, somos autônomos. Solitários inconsoláveis, integridades individuais, bibelôs de louça que trocamos de lugar para mudar os ares da decoração? Não sei. Realmente não sei. É que agora me arrebata um sentimento que não me permite pensar de maneira isenta, porque metade de mim é amor, e a outra metade também. Mas meus amigos vão fincar meus pés no chão, vão me dizer para ir devagar, recomendar cautela, etc. A razão é o consolo, é o “the dream is over”, é o cerne dessa realidade monótona e empalidecida.
Na direção contrária, vejo tudo misturado, um espelho sem razão, coração na boca para dizer que te amo. Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas. O amor me complementa a ponto de dizer que agora faz sentido. Ele é essa voz essencial dentro de mim. É a minha voz.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Escangalhar



Na cadeira uma pilha acumulada de jornais. Atrasado. Acredite que é útil, acima de tudo acredite que é útil. Está atrasado novamente. Desperte. Sonhe cinema e acorde. Não pergunte novamente porque não há tempo, é preciso ser dinâmico nas horas vagas, há tanta coisa pra resolver, levar cachorro no petshop, olha a invenção dos sumérios no que deu. Sol. A culpa gira em torno do sol. Rá. Presente do Nilo ou o quê? Difusão cultural: ocidente. Entendemos. Tudo igual, religar me enlaça, me persegue. Me salva. Olha a hora de novo. Organização. É preciso organização. Colocar a coisa no eixo. Mecanismo e eixo. Engrenagem roda. Sol, roda, gravidade, veloz e devagar. Há horas para ser veloz e hora para ser devagar, mas é tudo impressão que existe. Ou é a coisa do código? Da genética. É fruto da genética. Não... Põe ordem nisso. Tá todo mundo envelhecendo. Puta que pariu. Tá todo mundo morrendo, e eu esperando o ônibus.  Ah, saudades de mamãe. Não tenho mais tempo pra isso, não. TV. Aposentado. Fim dos tempos. Apocalipse de novo. Juízo final de novo. Morar num prado de novo. Vamos dizer bobagens. Troca minha fralda. Incontinência. Poeta não faz questão. Poeta é contrário de psicanalista. Pare de me estudar, cacete. Não sou nada disso não, ou sou? Já passou, mas esse sistema tá viciado. O universo tá viciado. Como é que eu sei? Cientistas da alta. É a física, viciada de merda. Tem o sonho. Dali. Dali eureca! Desautomatizou porra nenhuma. Tá tudo misturado. Esquizofrenia é ser bonita, inteligente, bem resolvida. Personagem achatado. Enterra no buraco de minhoca. E se existir vida em outro canto? Por que me abandonaste? Pra quê? Qual é a utilidade? É inútil. Fuck. Me deixa quieto. É a filosofia oriental, mantras, mantre muito. A resposta é esotérica. Pronto, achei. Não sei, anda, chega, tá atrasado, não fala coisa com coisa, ah, coitado, mania de grandeza, mas é do tamanho de um grão de areia, partícula de Deus agora. Cala a boca, curte. Curte e neurose não. Cabou? Cabou a sessão.  Ah... É por isso que o nonsense faz sucesso! Quer todo mundo se escangalhar, e-s-c-a-n-g-a-l-h-a-r. Cansa. É coerente, não é coerente, é coerente, não é coerente, é coerente, não é, é, não é. De novo. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

"viver sob o domínio parental pode promover uma alienação de si mesmo, na medida em que o exercício do autoconhecimento sofre o ruído do “cuidado” materno"


Ao retornar à casa da minha mãe – digo apenas da minha mãe porque minha casa sempre foi ela – tenho a sensação de que saio da minha casa. Isso pode parecer óbvio num primeiro olhar, mas, com a seguinte explicação, também não estou bem certo se me farei entender.
Apesar de confiar em seu desejo materno de me ver feliz e realizado, a influência que os pais em geral exercem sobre os filhos pode causar-lhes um estrago ou um benefício significativos. Explico: viver sob o domínio parental pode promover uma alienação de si mesmo, na medida em que o exercício do autoconhecimento sofre o ruído do “cuidado” materno – no meu caso, materno. Por isso, só tive a impressão de me conhecer quando saí de casa. Observei meus defeitos numa perspectiva mais crítica e menos reativa, compreendi melhor meus anseios, e minha solidão, neste caso, foi imprescindível para que eu conseguisse me ouvir. O silêncio nos ajuda a ouvir.
Amo minha mãe, isso é posto. Mas, ao viver em outras cercanias, desentranhei um bocado de vícios que não eram meus, eram de mamãe: ser muito crítica, conhecer as pessoas profundamente em primeiro lance, ser pessimista naqueles momentos nos quais o que eu precisava era ânimo, etc. Hoje tenho meus próprios vícios, embebidos também das águas do ventre materno, mas estão acrescidos, acredito, de uma substância original. Aí me vem à cabeça, a despeito do não tão lugar-comum, a sabedoria da natureza quando a mãe-sabiá empurra para fora do ninho o pequeno que já aprendeu as próprias asas. Depois ele investigará sozinho qual é o melhor rasante, a velocidade ideal para não ficar cansado, os terrenos mais férteis, as bicadas mais certeiras, os caminhos menos perigosos e quem sabe terá até o próprio ninho?
O famigerado amor incondicional, talvez produto do instinto, não foge à relativização. Junto desse amor épico frequentemente vem o legado das frustrações – por conseguinte, os ditames das projeções –, as expectativas, a cobrança e uma série de pressupostos; por outro lado, esse sentimento também é abrigo, é afago e outro conjunto de sutilezas que só o espírito mais sofisticado propõe-se a compreender.
Voltar à casa da minha mãe, agora, só para mostrar as penas novas. Depois do café, dou-lhe um beijo de gratidão e voo para minha própria casa. Às vezes, é ela quem vem me visitar. 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Românticos


     Tinha acabado de deletar as fotos do computador. Agora além dos porta-retratos que temos de substituir por vasos de planta e das gavetas que temos de esvaziar, temos – será que temos? – de apagar as mensagens do celular, das redes sociais, do correio eletrônico, etc. Isso tudo para uma finalidade: passar uma borracha na lembrança. Se já é inevitável lidar com a imagem impregnada na memória, com o perfume que assombra de vez em quando, com a música que toca naquele momento inoportuno, por que não evitar os outros fantasmas? Algumas pessoas ainda precisam de espetáculos ritualísticos: incinerar todos os pertences do falecido(a)!
    Depois desse processo doloroso de expurgação, começa a travessia peregrinatória do indivíduo em busca de outro indivíduo. Ele vai dizer: “não estou preparado para outro relacionamento”, “é muito difícil arranjar alguém que queira alguma coisa séria”, “as pessoas estão muito superficiais”, e por aí vai. Mas lá naquele pensamento profundo, quase inadmissível, o novo solteiro acostumado a relações “estáveis” alimenta esperanças para o futuro. Os dias passam, passam os meses, e após muitas decepções e situações inusitadas, às vezes regadas por muito teor alcoólico, eis que acontece o tal do “encontro” promovido pelo Cosmos. Vem, então, a frase – só que agora imbuída de certa reflexão – “quando a gente está esperando, nunca acontece”.  
       Fechamos o ciclo. Pesquisa astrológica só por curiosidade. Compramos bombons.

quinta-feira, 12 de julho de 2012


Eu me dobro sobre as fotos, como quem se dobra sobre si mesmo para laçar o que era aquilo, o que era por trás da imagem aquele dia das férias, aquela foto no avião, aquele jantar de aniversário. E com o tempo, o esforço fica maior e inútil: se já morreu, se já casou, se já encontrou uma terra firme. Queremos terra para tirar os sapatos. Precisamos alinhar feito navio que aporta em algum destino. Mas sempre se navega para desencontrar, porque o porto é concreto, é areia e pedra, enquanto o homem é oceano de água, sal e detritos. Então raspamos nossos cascos, cravamos as unhas em qualquer solo que se nos apresente, porque o que se deseja quase sempre é abafar o outro dentro de si, fagocitá-lo para defender o próprio organismo e preencher o vazio que não se cala. Assim, a doença mostra sintomas, vai se intumescendo, o outro cresce, incomoda, dói. Por fim, temos que expelir ou ser expelidos,  incompatibilidade de sangues, metástase. A foto se torna rasa, sem perspectiva, os aniversários que passamos juntos são aniversários de um tempo estéril, apenas porque ainda há instinto de sobrevivência na minha alteridade. Ainda há dobras. Meu abdome se contrai. Ou essas experiências vão te roubar a saúde ou vão te fortalecer o organismo, penso. Por isso ando seco, para virar adubo. 



domingo, 8 de julho de 2012

"Ninguém está livre dos modismos"

Ninguém está livre dos modismos. Acredito que nada na vida deve ser oito ou oitenta. É que o radicalismo cheira à ignorância, ignorância rima com intolerância e assim por diante. Mesmo que em alguns momentos falte paciência, às vezes precisamos de leveza, de não levar muito a sério os modismos falsificantes. No entanto, o que mais me incomoda é quando tentam nos empurrar garganta abaixo uma centena de produtos, gostos e comportamentos padronizados que ontem sequer existiam, mas que hoje DEVEM ser uma febre. E as principais presas desse produto, que de certa maneira é o passaporte para a inserção, são os jovens. Depois, será uma vida para “descolar”, “desentranhar”, todas essas camadas de modismo sobre nossas cabeças, o que me lembra – com licença poética - daquelas bonecas russas : no fim, apenas um serzinho minúsculo e medíocre.
É que ontem caí acidentalmente, o que já é uma redundância, em um bar lotado onde seria exibida uma luta do UFC. Antes de começar a partida, quer dizer, a luta, os amigos me introduziram a querela que existia entre os dois lutadores: Anderson Silva iria vingar os brasileiros pela ofensa proferida à pátria pelo falastrão americano Sonnen. Isso tudo em Las Vegas. Até certo ponto foi interessante experimentar aquele clima de Coliseu nas terras dos marqueteiros mais talentosos, mas foi só. É porque me senti alienado, que mundo é esse que você vive? Meus amigos perguntavam. Eu não sabia o nome dos lutadores e foi a primeira vez que vi a imagem de Anderson – apesar de seu nome ter conseguido transpor os meus filtros antimodismo. Ao final, uma mala foi aberta (e incrivelmente não saltaram todos os males do mundo!). Sertanejo universitário era o nome daquele gênero.
Já cansado de tantos socos e pontapés, mas com a alma lavada e convencido de que devo começar a treinar jiu-jitsu na semana que vem – porque amanhã tem FLA X FLU – chego em casa e vou vasculhar os posts na minha página inicial do facebook: “Gretchen deixa A Fazenda”. Ri...
O riso descontrai.

quinta-feira, 5 de julho de 2012


Conversa pela metade

Enfia!
Isso mesmo, vai!
Com vontade.
Mete de uma vez. Até o fim.
Sou vadia mesmo.
De costas,
Acaba comigo.
Isso, isso. Pera,
Tá doendo!
Devagar é pior,
Tira, tira!
Não dá.
Não dá. Tenta com isso.
É só mirar direito.
Pega a almofada pra não fazer barulho.
Põe na boca então.
Isso.
Olha para mim.
Olha!
Me avisa antes.
Já fez isso com alguém?
(...)
Deixa! Não adianta. Não adianta.
Tá demorando demais.
Tô pingando!
Não, pára, pára.
Eu to morrendo. Pára. Que merda!
Eu não posso mais. Porra, não entende?
Me dá um cigarro ali.
Pára de falar.
Deixa eu fumar meu cigarro quieto.
To pensando.
Fala baixo! Os vizinhos...
Vira esse troço pra lá.
Não, não, dispara!
Não dispara,
não dispara. Droga.